domingo, 27 de março de 2011

DIA MUNDIAL DO TEATRO

 TEATRO:
Etimologia gr. théatron,ou 'lugar onde se assiste a um espetáculo, espectadores, o próprio espetáculo' (< gr. théa 'espetáculo, vista, visão' + o suf. -tron 'instrumento', donde, lit., 'máquina de espetáculo'), pelo lat. theátrum,i 'teatro, lugar para jogos públicos, reunião de espectadores ou ouvintes, ajuntamentos, assembléia, auditório'; ver teatr(o)-; f.hist. sXV theatros, 1836 teatro.
Dicionário elect. Houaiss

Hoje, dia Mundial do Teatro, não podemos  deixar de relembrar, Pessoa enquanto “poeta dramático escrevendo em poesia lírica” (cf. Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação). 
Apresentamos aqui um excerto de O Marinheiro, drama publicado no número 1 de Orpheu (1915).  
Segundo os estudiosos, esta obra constitui um marco indelével na evolução literária do seu autor. Para Teresa Rita Lopes, existem laços indissociáveis entre O Marinheiro e a vida do próprio Pessoa. Náufrago da sua infância, afastado dos amigos, do seu espaço natal, desde muito cedo “pôs-se a sonhar” não apenas uma outra pátria, “uma nova terra natal” mas também “os companheiros da infância e depois os amigos e os inimigos da sua idade viril”.  Segundo Bréchon e Seabra Pereira, O Marinheiro anuncia o aparecimento nele de “vozes” novas,  podendo ser lido como uma alegoria da criação literária e, ainda, como um primeiro ensaio da aventura heteronímica.
O MARINHEIRO
DRAMA ESTÁTICO EM UM QUADRO
                        A Carlos Franco
Um quarto que é sem dúvida num castelo antigo. Do quarto vê-se que é circular. Ao centro ergue-se, sobre uma essa, um caixão com uma donzela, de branco. Quatro tochas aos cantos. À direita, quase em frente a quem imagina o quarto, há uma única janela, alta e estreita, dando para onde só se vê, entre dois montes longínquos, um pequeno espaço de mar.
Do lado da janela velam três donzelas. A primeira está sentada em frente à janela, de costas contra a tocha de cima da direita. As outras duas estão sentadas uma de cada lado da janela.
É noite e há como que um resto vago de luar.
PRIMEIRA VELADORA — Ainda não deu hora nenhuma.
SEGUNDA — Não se pode ouvir. Não há relógio aqui perto. Dentro em pouco deve ser dia.
TERCEIRA — Não: o horizonte é negro.
PRIMEIRA — Não desejais, minha irmã, que nos entretenhamos contando o que fomos? É belo e é sempre falso. ..
SEGUNDA — Não, não falemos nisso. De resto, fomos nós alguma cousa?
PRIMEIRA — Talvez. Eu não sei. Mas, ainda assim, sempre é belo falar do passado... As horas têm caído e nós temos guardado silêncio. Por mim, tenho estado a olhar para a chama daquela vela. Às vezes treme, outras torna-se mais amarela, outras vezes empalidece. Eu não sei por que é que isso se dá. Mas sabemos nós, minhas irmãs, por que se dá qualquer cousa?...
(uma pausa)
A MESMA — Falar do passado — isso deve ser belo, porque é inútil e faz tanta pena...
SEGUNDA — Falemos, se quiserdes, de um passado que não tivéssemos tido.
TERCEIRA — Não. Talvez o tivéssemos tido…
PRIMEIRA — Não dizeis senão palavras. E tão triste falar! É um modo tão falso de nos esquecermos! ... Se passeássemos?...
TERCEIRA — Onde?
PRIMEIRA — Aqui, de um lado para o outro. As vezes isso vai buscar sonhos.
TERCEIRA — De quê?
PRIMEIRA — Não sei . Porque o havia eu de saber?
(...) 
1913
Poemas Dramáticos . Fernando Pessoa. (Notas explicativas e notas de Eduardo Freitas da Costa). Lisboa: Ática, 1952 
1ª publ. in Orpheu , nº1. Lisboa: Jan-Mar. 1915.
In http://arquivopessoa.net/textos/1973.

segunda-feira, 21 de março de 2011

DIA MUNDIAL DA POESIA


Sempre se admitiu que a poesia participava do divino porque eleva e arma o espírito submetendo a aparência das coisas aos desejos da alma, enquanto a razão constrange e submete o espírito à natureza das coisas. 
 Francis Bacon, O Progresso do Conhecimento

 
   
A poesia é tudo o que há de íntimo em tudo.
Victor    Hugo
Prospecção

Não são pepitas de oiro que procuro.
Oiro dentro de mim, terra singela!
Busco apenas aquela
Universal riqueza
Do homem que revolve a solidão:
O tesoiro sagrado
De nenhuma certeza,
Soterrado
Por mil certezas de aluvião.
Cavo,
Lavo,
Peneiro,
Mas só quero a fortuna
De me encontrar.
Poeta antes dos versos
E sede antes da fonte.
Puro como um deserto.
Inteiramente nu e descoberto.
Miguel Torga
 http://users.isr.ist.utl.pt/~cfb/VdS/torga.html 

Para ver e ouvir:
http://wn.com/Chopin,_le_po%C3%A8te_du_piano

domingo, 20 de março de 2011

Mensagem

O meu livro "Mensagem" chamava-se primitivamente "Portugal". Alterei o título porque o meu velho amigo Da Cunha Dias me fez notar — a observação era por igual patriótica e publicitária — que o nome da nossa Pátria estava hoje prostituído a sapatos, como a hotéis a sua maior Dinastia. «Quer V. pôr o título do seu livro em analogia com "portugalize os seus pés?"» Concordei e cedi, como concordo e cedo sempre que me falam com argumentos. Tenho prazer em ser vencido quando quem me vence é a Razão, seja quem for o seu procurador.
Pus-lhe instintivamente esse título abstracto. Substituí-o por um título concreto por uma razão...
E o curioso é que o título "Mensagem" está mais certo — àparte a razão que me levou a pô-lo — de que o título primitivo.
Deus fala todas as línguas, e sabe bem que o melhor modo de fazer-se entender de um selvagem é um manipanso e não a metafísica de Platão, base intelectual do cristianismo. Reservo-me porém o direito de pensar que tal forma da religião é uma forma inferior. É sem dúvida necessário que haja quem descasque batatas, mas, reconhecendo a necessidade e a utilidade do acto descascador, dispenso-me de o considerar comparável ao de escrever a "Ilíada". Não me dispenso porém de me abster de dizer ao descascador que abandone a sua tarefa em proveito da de escrever hexâmetros gregos.

s.d. Sobre Portugal - Introdução ao Problema Nacional. Fernando Pessoa (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Morão. Introdução organizada por Joel Serrão.) Lisboa: Ática, 1979. 
In http://arquivopessoa.net/