terça-feira, 31 de maio de 2011

Para ajudar a compreender Felizmente há luar!

A acção de Felizmente há luar! decorre em 1817, uma época conturbada do ponto de vista político, económico e social. Como teve oportunidade de verificar, existe um paralelismo entre esta época  e o tempo em que  a peça foi escrita, início dos anos 60 do século XX. 

Para aprofundar os seus conhecimentos sobre o início do século XIX, pode consultar o artigo da Infopédia:
http://www.infopedia.pt/$liberalismo-em-portugal

Quanto aos anos 60, consulte:

http://www.infopedia.pt/$oliveira-salazar

http://www.humbertodelgado.pt/WebFHD/index.jsp

http://www.infopedia.pt/$crise-academica-de-1962

 http://www.infopedia.pt/$guerra-colonial,2



domingo, 29 de maio de 2011

Luís Sttau Monteiro


Nome: Luís Infante de Lacerda Sttau Monteiro
Nascimento: 3-4-1926, Lisboa
Morte: 23-7-1993, Lisboa
Ficcionista, autor dramático, encenador e jornalista português, formado em Direito, Luís Infante de Lacerda Sttau Monteiro nasceu a 3 de abril de 1926, em Lisboa, e morreu, também nesta cidade, a 23 de julho de 1993. De ascendência espanhola, viveu uma parte da adolescência em Inglaterra, onde o seu pai foi embaixador.
Nos anos 70 do século XX, desenvolveu atividade como jornalista, tendo colaborado com o Diário de Notícias e com o Expresso e, na década seguinte, dirigido Confidencial (1984) e colaborado como guionista de uma novela televisiva.
Iniciou a sua carreira literária com a narrativa Um Homem Não Chora, obra saudada como uma revelação da ficção portuguesa contemporânea, a que se seguiu um romance de grande êxito, Angústia para o Jantar, onde se salientam a "ironia, o gosto pela sátira, a distanciação emocional, o cinismo [...] e, no plano estilístico, a vivacidade dos diálogos." (FERREIRA, António Mega - "Um Homem e a Sua Obra", introdução a Angústia para o Jantar, Círculo de Leitores, s/l, 1986, p. VIII).
Situado numa segunda geração neorrealista, foi sobretudo pela sua obra dramática que viria a ser consagrado, recebendo com Felizmente Há Luar!, em 1962, o Grande Prémio de Teatro da Associação Portuguesa de Escritores. Essa peça histórica, que recorda a rebelião do general Gomes Freire de Andrade, foi proibida pela censura tendo sido representada no nosso país apenas em 1978.
As suas sátiras sobre a ditadura e a Guerra Colonial, fruto do seu espírito crítico e combativo, tornaram-no objeto de perseguição política, chegando mesmo a ser preso como quando publicou A Estátua e A Guerra Santa.
Embora levadas à cena por companhias estrangeiras, poucas peças de Luís de Sttau Monteiro foram representadas em Portugal antes do 25 de abril, excetuando-se As Mãos de Abraão Zacut, estreada em 1969 pela Companhia do Teatro Estúdio de Lisboa, sob a direção de Luzia Maria Martins.
Homem essencialmente de teatro, Sttau Monteiro foi ainda autor de uma adaptação da novela O Barão, de Branquinho da Fonseca, e de várias traduções de autores dramáticos como Shakespeare ou Ibsen, que ele próprio levou à cena.

Bibliografia: Um Homem Não Chora, Lisboa, 1960; Angústia para o Jantar, Lisboa, 1961; Felizmente Há Luar!, Lisboa, 1961; Todos os Anos, pela Primavera, Lisboa, 1963; O Barão, Lisboa, 1964; Auto da Barca do Motor fora da Borda, Lisboa, 1966; A Guerra Santa, Lisboa, 1967; A Estátua, Lisboa, 1967; As Mãos de Abraão Zacut, Lisboa, 1968; Sua Excelência, Lisboa, 1971; E se For Rapariga chama-se Custódia, 1978; Crónica Atribulada do Esperançoso Fagundes, Lisboa, 1981.

Luís de Sttau Monteiro. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2011. [Consult. 2011-05-29].
Disponível na www: <URL: http://www.infopedia.pt/$luis-de-sttau-monteiro>.

domingo, 22 de maio de 2011

Os Heróis

 Maria Helena Vieira da Silva (1908-1992)
História trágico marítima (1944),  Centro de Arte Moderna

O povo, personagem colectiva, é o verdadeiro herói da saga da construção do convento. No entanto, no capítulo XVIII, o narrador não deixa de individualizar alguns operários: Francisco Marques, José Pequeno, Joaquim da Rocha, Manuel Milho,  João Anes, Julião Mau-Tempo,  Baltasar Mateus. Simbolicamente, no capítulo XIX, atribui um nome a cada letra do alfabeto, num simples desejo de o tornar imortal e de o incluir na História de Portugal: «…Alcino, Brás, Cristóvão, Daniel, Egas, Firmino…». p. 242. 
Nesse capítulo XIX, esses heróis deslocam-se a Pêro Pinheiro para transportarem uma pedra descomunal...  O sofrimento e o cansaço são imensos! A morte espreita a cada passo:

 «Tão grande fora o sofrimento durante este arrastado dia, que todos diziam, Amanhã não pode ser pior, e no entanto sabiam que iria ser pior mil vezes.(…) não podem as galés ser piores do que isto (…) Assim, a plataforma ia descer a pulso. Não havia outra maneira. (…)
Seiscentos homens agarrados desesperadamente aos doze calabres que tinham sido fixados na traseira da plataforma, seiscentos homens que sentiam, com o tempo e o esforço, ir-se-lhes aos poucos a tesura dos músculos, seiscentos homens que eram seiscentos medos de ser, agora sim, ontem aquilo foi uma brincadeira de rapazes (…) p.256.
«…vão aqui seiscentos homens que não fizeram nenhum filho à rainha e eles é que pagam o voto, que se lixam, com perdão da anacrónica voz». p. 257.
 (...) Um dos homens que trabalham aos calços é Francisco Marques. Provou já a sua destreza, uma curva má, duas péssimas, três piores que todas, quatro só se fôssemos doidos, e por cada uma delas vinte movimentos, tem consciência de que está a fazer bem o trabalho, por acaso agora nem pensa na mulher, a cada coisa seu tempo, toda a atenção se fixa na roda que vai começar a mover-se, que será preciso travar, não tão cedo que torne inútil o esforço que lá atrás estão fazendo os companheiros, não tão tarde que ganhe o carro velocidade e se escape ao calço. Como agora aconteceu. Distraiu-se talvez Francisco Marques, ou enxugou com o antebraço o suor da testa, ou olhou cá do alto a sua vila de Cheleiros, enfim lembrando-se da mulher, fugiu-lhe o calço da mão no preciso momento em que a plataforma deslizava, não se sabe como isto foi, apenas que o corpo está debaixo do carro esmagado …». p. 259

O   Poema da Pedra Lioz , de António Gedeão, faz-nos recordar estes homens, trabalhadores incansáveis, sempre prontos a dar a vida por uma promessa que não tinham feito...
  
Álvaro Gois
Rui Mamede,
filhos de António Brandão,
naturais de Cantanhede,
pedreiros de profissão,
de sombrias cataduras
como bisontes lendários,
modelam ternas figuras
na lentidão dos calcários.


Ali, no esconso recanto,
só o túmulo, e mais nada,
suspenso no roxo pranto
de uma fresta geminada.
Mas no silêncio da nave,
como um cinzel que batuca,
soa sempre um truca?truca?
lento, pausado, suave,
truca, truca, truca, truca,
sob a abóbada romântica,
como um cinzel que batuca
numa insistência satânica:
truca, truca, truca, truca,
truca, truca, truca, truca.


Álvaro Gois,
Rui Mamede,
filhos de António Brandão,
naturais de Cantanhede,
ambos vivos ali estão,
truca, truca, truca, truca,
vestidos de sunobeco
e acocorados no chão,
truca, truca, truca, truca.


 No friso, largo de um palmo,
que dá volta a toda a arca,
um cristo, de gesto calmo,
assiste ao chegar da barca.
Homens de vária feição,
barrigudos e contentes,
mostram, no riso dos dentes
o gozo da salvação.
Anjinhos de longas vestes,
e cabelo aos caracóis,
tocam pífaro celestes,
entre cometas e sóis.
Mulheres e homens, sem paz,
esgaseados de remorsos,
desistem de fazer esforços,
entregam se a Satanás.


Fixando a pedra, mirando a,
quanto mais o olhar se educa,
mais se estende o truca?truca?
que enche a nave, transbordando a,
truca, truca, truca, truca
truca, truca, truca, truca.


 No desmedido caixão,
grande sonhor ali jaz.
Pupilo de Satanás?
Alma pura, de eleição?
Dom Afonso ou Dom João?
Para o caso tanto faz."


António Gedeão, in Teatro do Mundo


http://www.romulodecarvalho.net/Poemas/Poema-da-Pedra-Lioz.html 

Do sonho à realidade: a construção do Convento

«Era uma vez um rei que fez promessa de levantar um convento em Mafra. Era uma vez a gente que construiu esse convento»


Como teve oportunidade de verificar através da leitura, o narrador de Memorial do Convento coloca-se sempre ao lado dos operários. 


Recorde o poema de Vinicius de Morais ... Estabeleça um paralelo com a "realidade" retratada na narrativa de Saramago:



ÍCARO

A QUEDA DE ÍCARO – Peter Paul Rubens, 1636-8.
Óleo sobre tela. Museu de Arte Antiga, Bruxelas.


Se quiser conhecer em profundidade este quadro, visite:



Lenda de Dédalo e Ícaro

Dédalo era um construtor e um escultor muito competente de Atenas que caiu em desgraça por ter assassinado Talo. Acolhido com amizade pelo rei Minos de Creta, Dédalo refugiou-se com o filho Ícaro na Ática. Foi incumbido de construir um labirinto para guardar o terrível Minotauro, filho da Rainha Pasifae, mulher de Minos, e de um touro. Minotauro era portanto um monstro, metade homem e metade touro, que se alimentava de carne humana. O labirinto era tão perfeito que até Dédalo teve dificuldade em sair dele.
O rei Minos, como castigo pelo facto dos Atenienses lhe terem matado o filho Androgeu, tomou a cidade de Atenas e impôs um tributo anual de sete rapazes e sete raparigas para alimentar o Minotauro. Ao fim do terceiro tributo, Teseu, filho do rei de Atenas, ofereceu-se como uma das vítimas, a fim de salvar a sua Pátria do flagelo que os atingia. Ao chegar a Creta, Ariadne, filha do rei Minos, apaixonou-se pelo jovem Teseu e, com a ajuda de Dédalo, deu ao jovem um novelo de fio que guiou o herói para fora do labirinto. Furioso com a traição de Dédalo, o rei Minos mandou-o encerrar, juntamente com o seu filho Ícaro, numa ilha de onde não podiam fugir sem autorização do rei. Dédalo começou então a imaginar uma fuga. Recolheu penas de aves e, unindo-as com cera, construiu asas para si e para o filho. Conseguiram assim voar até uma ilha vizinha, mas Ícaro, entusiasmado com o sucesso da experiência, continuou a voar cada vez mais alto, não dando ouvidos a Dédalo, que de terra o advertia para não voar alto de mais, por causa do sol. Como se aproximou demasiado do sol, este derreteu a cera das asas e Ícaro caiu no mar Egeu, afogando-se para grande desgosto de Dédalo, que mais não pôde fazer do que observar e chorar a morte do filho. A ilha, onde caiu o corpo do jovem Ícaro, recebeu o nome de Icária.

Lenda de Dédalo e Ícaro. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2011. [Consult. 2011-05-22].
Disponível na www: <URL: http://www.infopedia.pt/$lenda-de-dedalo-e-icaro>.

E é o sonho que comanda a vida ...

Uma obra grandiosa nasce sempre de um sonho! De uma ousadia, de um querer ir mais além... Ficar amarrado ao cais, preso nas teias da segurança é não ser HOMEM!

Em Memorial do Convento, o sonho é a alavanca principal!

Deixe-se embalar pelas palavras  e pela música:


Que relações poderemos estabelecer entre o poema de Gedeão e Memorial do Convento?
Para ler e saborear o poema:

http://www.citi.pt/cultura/literatura/poesia/antonio_gedeao/pedra_filo.html

Observe, agora, a reprodução de uma pintura de Chagall:

Au dessus de la ville
Será que esta tela não nos levará  até Baltasar e Blimunda?

domingo, 8 de maio de 2011

Bartolomeu Lourenço de Gusmão


In http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=33949&op=all

Clérigo e inventor do aeróstato, Bartolomeu Lourenço de Gusmão, nasceu por volta de 1685, no Brasil.
Estudou no seminário da Companhia de Jesus na Baía. Mais tarde veio para Portugal, já sacerdote, e matriculou-se na Faculdade de Cânones da Universidade de Coimbra.
Em 1709 apresentou a D. João V uma petição em que anunciava ter descoberto um "instrumento para se andar pelo ar", a chamada passarola, apontando-lhe diversas utilidades práticas. O monarca manifestou interesse nas suas demonstrações. Mas as experiências ficaram aquém das expectativas e acabaram por desmotivar Gusmão do prosseguimento das suas invenções. Desiludido, Gusmão continuou o curso universitário em Coimbra, que interrompera, obtendo o seu doutoramento em Cânones.
Depois de fundada a Academia Real da História, Bartolomeu de Gusmão foi logo nomeado membro da instituição, e D. João V colocou-o na secretaria de Estado. Foi depois encarregado pela Academia de redigir em português a história do bispado do Porto.
Apesar das honras acumuladas, acabou por ter que partir para Espanha, em fuga da Inquisição, em 1724. Morreu em Toledo nesse mesmo ano.

Bartolomeu de Gusmão. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2011. [Consult. 2011-05-08].
Disponível na www: <URL: http://www.infopedia.pt/$bartolomeu-de-gusmao>.


Baltasar Sete-Sóis


Que nome é o seu, e o homem disse, naturalmente, assim reconhecendo o direito de esta mulher lhe fazer perguntas, Baltasar Mateus, também me chamam Sete-Sóis." (p.53)


 Personagem da obra Memorial do Convento (1982) de José Saramago. Baltasar Mateus, o Sete-Sóis, perdeu, na Guerra de Sucessão, a mão esquerda, sendo, por isso, mandado embora do exército. Vivendo de esmola, encontrará trabalho no estaleiro do convento de Mafra. Aí conhecerá Blimunda, a quem unirá para sempre a sua vida, e ajudará o Padre Bartolomeu Lourenço a construir a passarola, com que um dia conseguirá sobrevoar Lisboa. Depois da partida do padre, enlouquecido, para Espanha, velará o engenho. Levado pela máquina, entrega, nove anos depois, num auto de fé, a sua vontade a Blimunda. Numa nova trindade, divina e humana ("Deus ele próprio [o padre], Baltasar seu filho, Blimunda o Espírito Santo, e estavam os três no Céu."), Baltasar, Blimunda e o padre Bartolomeu Lourenço simbolizam o sonho, a liberdade de amar e de acreditar para lá de todas as evidências, apresentando-se como o reverso de uma época onde o rei e os clérigos subjugam o povo para o cumprimento de um projeto megalómano.

Baltasar Sete-Sóis. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2011. [Consult. 2011-05-08].
  



Os olhos de Blimunda

http://portuguesesas.no.sapo.pt/memorial_files/image011.jpg

Dirigindo-se a Baltasar, Bartolomeu Gusmão diz a propósito de Blimunda: “Só te direi que se trata de um grande mistério, voar é simples coisa comparando com Blimunda” (p.65).

São os olhos que se destacam nesta jovem de dezanove anos:
   (...) “e de cada vez que ela o olha a ele sente um aperto na boca do estômago, porque olhos como estes nunca se viram, claros de cinzento, ou verde, ou azul, que, com a luz de fora variam ou o pensamento de dentro, e às vezes tornam-se negros nocturnos ou brancos brilhantes como lascado carvão de pedra”   (...) (p.55)

  (...)  “claros, verdes, cinzentos, azuis quando lhes dava de frente a luz e de repente escuríssimos, castanho de terra, água parda, negros se a sombra os cobria ou apenas aflorava”   (...) (p. 103). 

Estes olhos possuem o dom de poderem ver o interior dos corpos e da terra desde que se encontre em jejum. No entanto, promete que nunca  vai olhar Baltasar por dentro (“Nunca te olharei por dentro” (p.57)). 
São os olhos que lhe permitem recolher "as vontades" das pessoas, fonte do éter, necessário ao voo da passarola.  No final da obra, reencontra Baltasar e, estando este prestes a ser queimado, acaba por recolher a sua vontade. 

Na Literatura, os olhos das personagens femininas desempenham quase sempre um papel relevante. No século XIX, Almeida Garrett, em Viagens na minha Terra, deixou-nos um dos textos mais belos:


Também na poesia e na música, os olhos têm sido cantados ao longo dos séculos:  



Blimunda: um nome com música



“Muitas vezes me perguntei: porquê este nome? Recordo-me de como o encontrei, percorrendo com um dedo minucioso, linha a  linha, as colunas de um vocabulário onomástico, à espera de um sinal de aceitação que haveria de começar na imagem decifrada pelos olhos para ir consumar-se, por ignoradas razões, numa parte adequadamente sensível do cérebro. Nunca, em toda a minha vida, nestes quantos milhares de dias e horas somados, me encontrara com o nome de Blimunda, nenhuma mulher em Portugal, que eu saiba, se chama hoje assim. E tão-pouco é verificável a hipótese de tratar-se de um apelativo que em tempos tivesse merecido o favor das famílias e depois caísse em desuso: nenhuma personagem feminina da História do meu país, nenhuma heroína de romance ou figura secundária levou alguma vez tal nome, nunca estas três sílabas foram pronunciadas à beira de uma pia baptismal ou inscritas nos arquivos do registo civil. Também nenhum poeta, tendo de inventar para a mulher amada um nome secreto, se atreveu a chamar-lhe Blimunda.
Tentando, nesta ocasião, destrinçar aceitavelmente as razões finais da escolha que fiz, seria a primeira razão a de ter procurado um nome estranho e raro para dá-lo a uma personagem que é, em si mesma, estranha e rara. De facto, essa mulher a quem chamei Blimunda, a par dos poderes mágicos que transporta consigo e que por si sós a separam do seu mundo, está constituída, enquanto pessoa configurada por uma personagem, de maneira tal que a tornaria inviável, não apenas no distante século XVIII em que a pus a viver, mas também no nosso próprio tempo. Ao ilogismo da personagem teria de corresponder, necessariamente, , o próprio ilogismo do nome que lhe ia ser dado.
Ou talvez não seja apenas assim. Regressando ao vocabulário, e mesmo sem recair em excessos de minúcia, posso observar como abundam os nomes de pessoa extraordinários e extravagantes, que ninguém hoje quereria usar e antes só excepcionalmente, e contudo não foi a nenhum deles que escolhi: rareza e estranheza não seriam, afinal, condições suficientes.
Que outra condição, então, que razão profunda, porventura sem relação com o sentido inteligível das palavras, me terá levado a eleger esse nome entre tantos? Creio que sei hoje a resposta, que ela me acaba de ser apontada por esse misterioso caminho que terá levado Azio Gorghi denominar Blimunda uma ópera extraída de um romance que tem por título Memorial do Convento: essa resposta, essa razão, acaso a mais secreta de todas, chama-se Música. Terá sido, imagino, aquele som desgarrador de violoncelo que habita o nome de Blimunda, profundo e longo, como se própria alma humana se produzisse e manifestasse, que me levou, sem nenhuma resistência, com a humildade de quem aceita um dom, a recolhê-lo num simples livro, à espera, sem o saber, de que a Música viesse recolher o que é sua exclusiva pertença: essa vibração última que está contida em todas as palavras e em algumas magnificamente.”
(José Saramago, in Jornal de Letras, nº410, 1990)

Alessandro Scarlatti (1660-1725) foi o pai de Domenico Scarlatti, cuja música curou Blimunda.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Dia da Língua e da Cultura Portuguesa

Para celebrarmos a língua portuguesa, nada melhor do que reler os nossos poetas ela! Num tempo em que  a língua é posta à margem e é alvo de atropelos sistemáticos e despudorados na comunicação social, urge re-descobrir a beleza dos sons e reflectir sobre o papel que  o nosso idioma tem desempenhado na construção da nossa identidade.


Manuel Alegre 


«A música secreta da língua portuguesa» 

[...] Mas a poesia é também a língua. A música secreta da língua. Na língua portuguesa essa música é um marulhar contínuo. «Há só mar no meu país» — escreveu o poeta Afonso Duarte. E um poeta angolano falou da língua portuguesa como língua de viagem e mestiçagem. E eu acrescento: rio de muitos rios. E também pátria de várias pátrias. A língua é una. Mas é diversa. Tanto mais ela quanto mais diferente. Tanto mais pura quanto mais impura.  (...)
Fernando Pessoa, através do seu heterónimo Bernardo Soares, escreveu: «A minha pátria é a língua portuguesa.» A língua em que Portugal existiu sempre e em que os seus poetas cantaram a liberdade mesmo quando o povo português era também um povo oprimido. Língua da liberdade resgatada pela revolução dos cravos a 25 de Abril de 1974. Eis a língua cuja literatura vai ser objecto de estudo na nova cátedra agora inaugurada nesta tão antiga e livre universidade.
«Cada língua — como escreveu George Steiner — é um acto de liberdade que permite a sobrevivência do homem.» É certo que hoje os novos oráculos não estão em Delfos. Estão nas bolsas e nos mercados. Mas a fonte de Castália não secou. A escrita poética preserva o sagrado e é uma forma de resistência contra o grande mercado do mundo e a degradação da vida.
Hoje, como sempre, poesia é liberdade.

* Parte do discurso proferido na inauguração da Cátedra Manuel Alegre na Universidade de Pádua:: 08/09/2010 (19-04-2010)


Fernando Pessoa  

António Vieira

  O céu 'strela o azul e tem grandeza.
Este, que teve a fama e à glória tem,
Imperador da língua portuguesa,
Foi-nos um céu também.

No imenso espaço do seu meditar,
Constelado de forma e de visão,
Surge, prenúncio claro do luar,
El-Rei D. Sebastião.

Mas não, não é luar: é luz do etéreo.
É um dia; e, no céu amplo de desejo,
A madrugada irreal do Quinto Império
Doira as margens do Tejo.

Mensagem, Lisboa, Ática, 1972, p. 92 :: 09/12/2009


  Miguel Torga

  A sombra das palavras

 

      Coimbra, 7 de Julho.

   As palavras renascem.
   Folhas de clorofila humana,
   Brotam, crescem,
   Murcham, desaparecem,
   Mas renascem.
   Que frescura teria a caravana,
   A caminho da morte ou do nirvana,
   Se os poetas cantassem!


 

Carlos Drummond de Andrade

Aula de Português

 

A linguagem
na ponta da língua
tão fácil de falar
e de entender.A linguagem
na superfície estrelada de letras,
sabe lá o que ela quer dizer?
Professor Carlos Góis, ele é quem sabe,
e vai desmatando
o amazonas de minha ignorância.
Figuras de gramática, equipáticas,
atropelam-me, aturdem-me, seqüestram-me.
Já esqueci a língua em que comia,
em que pedia para ir lá fora,
em que levava e dava pontapé,
a língua, breve língua entrecortada
do namoro com a prima.
O português são dois; o outro, mistério.

* in "Poesia Completa", Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 2002, pág. 10089 :: 15/03/2005

http://ciberduvidas.sapo.pt/antologia

 

Para conhecermos um pouco da história: