Para celebrarmos a língua portuguesa, nada melhor do que reler os nossos poetas ela! Num tempo em que a língua é posta à margem e é alvo de atropelos sistemáticos e despudorados na comunicação social, urge re-descobrir a beleza dos sons e reflectir sobre o papel que o nosso idioma tem desempenhado na construção da nossa identidade.
Manuel Alegre
«A música secreta da língua portuguesa»
[...] Mas a poesia é também a língua. A música secreta da língua. Na língua portuguesa essa música é um marulhar contínuo. «Há só mar no meu país» — escreveu o poeta Afonso Duarte. E um poeta angolano falou da língua portuguesa como língua de viagem e mestiçagem. E eu acrescento: rio de muitos rios. E também pátria de várias pátrias. A língua é una. Mas é diversa. Tanto mais ela quanto mais diferente. Tanto mais pura quanto mais impura. (...)
Fernando Pessoa, através do seu heterónimo Bernardo Soares, escreveu: «A minha pátria é a língua portuguesa.» A língua em que Portugal existiu sempre e em que os seus poetas cantaram a liberdade mesmo quando o povo português era também um povo oprimido. Língua da liberdade resgatada pela revolução dos cravos a 25 de Abril de 1974. Eis a língua cuja literatura vai ser objecto de estudo na nova cátedra agora inaugurada nesta tão antiga e livre universidade.
«Cada língua — como escreveu George Steiner — é um acto de liberdade que permite a sobrevivência do homem.» É certo que hoje os novos oráculos não estão em Delfos. Estão nas bolsas e nos mercados. Mas a fonte de Castália não secou. A escrita poética preserva o sagrado e é uma forma de resistência contra o grande mercado do mundo e a degradação da vida.
Hoje, como sempre, poesia é liberdade.
* Parte do discurso proferido na inauguração da Cátedra Manuel Alegre na Universidade de Pádua:: 08/09/2010 (19-04-2010)
Fernando Pessoa
António Vieira
O céu 'strela o azul e tem grandeza.Este, que teve a fama e à glória tem,
Imperador da língua portuguesa,
Foi-nos um céu também.
No imenso espaço do seu meditar,
Constelado de forma e de visão,
Surge, prenúncio claro do luar,
El-Rei D. Sebastião.
Mas não, não é luar: é luz do etéreo.
É um dia; e, no céu amplo de desejo,
A madrugada irreal do Quinto Império
Doira as margens do Tejo.
Mensagem, Lisboa, Ática, 1972, p. 92 :: 09/12/2009
Miguel Torga
A sombra das palavras
Coimbra, 7 de Julho.
As palavras renascem.
Folhas de clorofila humana,
Brotam, crescem,
Murcham, desaparecem,
Mas renascem.
Folhas de clorofila humana,
Brotam, crescem,
Murcham, desaparecem,
Mas renascem.
Que frescura teria a caravana,
A caminho da morte ou do nirvana,
Se os poetas cantassem!
na ponta da língua
tão fácil de falar
e de entender.A linguagem
na superfície estrelada de letras,
sabe lá o que ela quer dizer?
Professor Carlos Góis, ele é quem sabe,
e vai desmatando
o amazonas de minha ignorância.
Figuras de gramática, equipáticas,
atropelam-me, aturdem-me, seqüestram-me.
Já esqueci a língua em que comia,
em que pedia para ir lá fora,
em que levava e dava pontapé,
a língua, breve língua entrecortada
do namoro com a prima.
O português são dois; o outro, mistério.
A caminho da morte ou do nirvana,
Se os poetas cantassem!
Carlos Drummond de Andrade
Aula de Português
A linguagem
na ponta da língua
tão fácil de falar
e de entender.A linguagem
na superfície estrelada de letras,
sabe lá o que ela quer dizer?
Professor Carlos Góis, ele é quem sabe,
e vai desmatando
o amazonas de minha ignorância.
Figuras de gramática, equipáticas,
atropelam-me, aturdem-me, seqüestram-me.
Já esqueci a língua em que comia,
em que pedia para ir lá fora,
em que levava e dava pontapé,
a língua, breve língua entrecortada
do namoro com a prima.
O português são dois; o outro, mistério.
Nenhum comentário:
Postar um comentário